Mulher-cão ?

De todas as mulheres de Paula Rego, as que eu mais gosto são as Mulheres-Cão. Em especial essa do meu perfil. Não apenas eu me represento como mulher cão, mas - não querendo ser de jeito algum feminista - todas as mulheres.

Pescoço, tronco, pernas - o corpo forte. O rosto de expressões duras, talhado com mão não delicada e ao mesmo tempo de jeito feminino.
É a mulher animal, a mulher contra a parede e ao mesmo tempo mulher que luta. Mulher que sofre, que é mulher, que é submissa, que é sozinha e que ainda morde, que é egoísta, que doa-se, que é rosa e cravo nesse mundo de tantos homens, tanta cria, tanta solidão, tantas inovações, mas a mulher é sempre mulher...

"...Mas com ela, lá fui fazendo: o "Bad Dog", a humilhação, o amor, a lealdade e a submissão cúmplice das mulheres, um certo masoquismo das mulheres, no amor e na traição … O casamento é uma espécie de mortalha, não é? É a "mulher-bicho" que tem força através da sua animalidade, é a parte física, dos instintos, que é muito importante! O silêncio tácito das mulheres, a sua "endurance" e o seu sentido de honra”. (Paula Rego)

Em outra representação de Paula Rego, vê-se mais explicitamente as antíteses: a mulher bailarina sonhadora, tão feminina e ao mesmo tempo com corpo e face tão duros, tão fortes, tão desajeitados:





Hoje, voltando pra casa na sonolência do ônibus, vi um bebê que achei lindo. A mãe, com os cabelos meio sujos, com a cara cansada e com olhos perdidos na janela, beijava a criança como que involuntariamente, como se aquilo já fosse um ato de valor, mas que saía sem esforço algum, já era natural... Ao mesmo tempo a criança abraçava-a olhando para os movimentos em volta, prestando atenção em tudo, mas dando uma atenção especial (mais uma vez parecendo involuntária) à mãe. Apreciei a cena e, imaginei-me mais velha, mais mulher, mãe, meu filho. Eu cuidando, mortificando-me e renascendo, conhecendo uma nova Jéssyca. Olha aí, eu que espanto essas ideias, que sonho com qualquer coisa distante desses sentimentos tão eternamente marcantes. Casamento, filho. Olha aí, eu comprovadamente uma mulher-cão...
Todas nós!